Escola Politécnica

Formando engenheiros e líderes

Por Graziella Basti, Luana Siqueira e Sophia Ferreira

“Falta menina para projetar o futuro”. É o que diz Marly Monteiro de Carvalho, docente e chefe do Departamento de Engenharia de Produção, da Escola Politécnica da USP, e também integrante do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção (POLI/USP) e do Programa de Pós-Graduação em Administração (FEA/USP).

Neste mês das mulheres, o Escritório USP Mulheres conversou com a professora Marly Monteiro de Carvalho, inaugurando este espaço dedicado a perfis de pesquisadoras da USP, com o propósito de dar visibilidade às suas trajetórias e celebrar suas conquistas.

A professora Marly contou que identificou sua aptidão para as exatas desde cedo e quis estudar engenharia. Essa decisão contou com o apoio dos pais, ambos professores. Ao ingressar na USP de São Carlos, ela conta que foi uma imersão em um ambiente predominantemente masculino:

 Eu entrei na engenharia muito cedo, com 17 anos, na USP de São Carlos. Então, para mim, a entrada na engenharia foi uma entrada no mundo masculino – a USP de São Carlos na época era basicamente cursos das exatas, um campus muito masculino. No meu ano, para você ter uma ideia, entraram apenas 5 meninas na engenharia, então era um ambiente muito masculino

O ambiente muito hostil para as mulheres faz com que muitas desistam de seguir carreiras de ciências e tecnologia:

Não tem cabimento a gente perder tanta vocação em STEM [sigla de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, em inglês] porque nosso ambiente é difícil. A gente precisa batalhar todo dia aqui para tentar mudar isso.

Mulher jovem e engenheira, ela teve de enfrentar os desafios do estereótipo da profissão:

 

Eu lembro que tinha um professor da medicina que falava que eu era um engenheiro com um fenótipo alterado porque eu chegava lá e ninguém me imagina como professora da engenharia, então esse foi um período difícil, porque tinha a questão do ‘se provar’.

Dentre os mil pesquisadores do mundo todo selecionados pela plataforma acadêmica Research.com como os Melhores Pesquisadores nas áreas de Gestão e Negócios, a professora Marly é a única representante do Brasil. Tal ranking leva em consideração a métrica do Índice H, além de publicações e citações na área de Negócios e Gestão, coletados no fim do último ano.

Sobre sua presença no ranking, ela conta:

Fiquei muito contente! A única pessoa da área no Brasil elencada. A gente sabe que está em um momento difícil, de falta de recurso, então esse prêmio não é um prêmio meu, é um prêmio do meu grupo de pesquisa também. A gente não faz nada sozinho na pesquisa, então receber esse reconhecimento não é um reconhecimento meu, mas de todo um grupo que pesquisa comigo.

 

Suas pesquisas concentram-se na área de modelo de negócio para mudança,  com projetos na área de Economia Circular, contemplando os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, da ONU:

Pensar em inovação, mas pensar em inovação numa perspectiva da base da pirâmide, numa perspectiva de transição para o desenvolvimento sustentável. Esses projetos, vários deles bilaterais, permitiram que a gente refletisse muito como mudar em termos de modelo de negócio para que se possa de fato mudar a sociedade. É preciso pensar os negócios já com o olhar de sustentabilidade, nos três pilares, o social, ambiental e o econômico, porque tem que ser viável de uma maneira econômica, mas tem que compartilhar esse valor gerado.

Na sua área de atuação, a presença de mulheres ainda é baixa, apesar do crescimento da participação feminina nas últimas duas décadas. De acordo com os dados demográficos organizados pelo Escritório USP Mulheres com o recorte de gênero e disponíveis no Observatório USP Mulheres, na graduação na área de Engenharia e Tecnologia, as mulheres passaram de 715 alunas, no ano 2000, para 2.463 em 2019. A professora Marly confirma esse cenário otimista:

A presença da mulher na Engenharia de Produção ainda está muito aquém, mas eu tenho uma ótima notícia para te dar: 22 meninas entraram na aula inaugural que eu dei aqui na Produção. Esse ano foram 22, para você ter uma ideia, ano passado foram só 13 de um grupo de 77 vagas. Então, ainda está aquém, mas a gente está estamos melhorando!”

A diversidade, ressalta Marly, contribui para  chegar à excelência:

Com essa turma que eu recebi, fiquei muito contente… uma turma muito diversa em vários aspectos. E eu acredito que para fazer boa engenharia, a gente tem que ter um time diverso, em que as pessoas tenham lugares de fala distintos. Como é que eu vou resolver um grande problema de engenharia se eu não olho por diferentes perspectivas? Se não tem uma mulher, se não tem ninguém que olhe para a base da pirâmide. Então, a gente está com uma nova população aqui dentro da Poli, uma Poli muito mais diversa, uma Poli muito mais acolhedora. Fiquei muito contente de ver a turma e de imaginar essa turma nas mesas de projeto construindo projetos de engenharia de fato para a sociedade.

E o que Marly tem a dizer para as garotas?

O que eu mais me esforço é para falar para as garotas que elas sigam a área de ciências. […] É difícil uma mulher ganhar um conjuntinho de Lego para fazer uma montagem, é mais comum ela ganhar algo para cuidar. Eu tenho crianças pequenas na família e quando vou comprar [brinquedos], eu só compro presente de raciocínio, e eu ainda fico muito magoada de entrar em uma loja de brinquedo e ver que a maior parte dos brinquedos femininos são para aquela visão de mulher mãe, de mulher casa.

Exemplos de mulheres contam, e muito, para impulsionar novas mulheres:

Todas as mulheres engenheiras com quem já convivi foram brilhantes, como o exemplo da Liedi, ex-diretora da Escola. Acho assim, que temos que quebrar esses tabus e trazer a mulher […] A mulher faz engenharia o tempo todo em casa, ela precisa ver que essa vocação está presente. A gente criou alguns mitos e as meninas ficam presas nesses mitos. Então, acho que quanto mais mulher na área de STEM, quanto mais falarmos da importância da mulher nos times de engenharia, melhor, porque senão, em vez de estarmos lá projetando, vamos continuar a viver em projetos feito por cabeças masculinas. Não é que tem que fazer projeto com cabeça feminina, mas tem que fazer projeto com cabeças diversas, para projetar para todo mundo. Então, falta menina para projetar o futuro, tem que vir projetar o futuro. É isso, quero convidá-las, para vir projetar o futuro.


Pesquisadora do mês

A cada mês, o Escritório USP Mulheres vai apresentar um perfil de pesquisadora da USP que se destacou em sua área e celebrar suas conquistas. Conhece alguma mulher da comunidade que foi selecionada e/ou premiada? Compartilhe conosco essa boa notícia: comunica.uspmulheres@usp.br