Escola Politécnica

Formando engenheiros e líderes

Exercício: 1938 a 1941 e 1947 a 1950

Na cidade de São José dos Campos, interior do Estado de São Paulo, nasceu em dezembro de 1887, Henrique Jorge Guedes, filho de Joaquim Camilo Guedes e de Amélia Martins Guedes. Aos 11 anos de idade, quando já era órfão de pai, mudou-se com a mãe e a família para a capital paulistana. Ali primeiramente trabalhou em uma loja cujo proprietário era sírio-libanês e morando aos fundos do estabelecimento, com ele aprendeu árabe. Decorrido algum tempo, veio a dedicar-se ao trabalho no comércio com um judeu, com quem estudou ídiche. Nesses ofícios, para manter-se sempre alinhado, trajava-se com um terno que à noite lavava para usar no dia seguinte.

Estudou no Ginásio Nogueira da Gama e na Escola Politécnica de São Paulo foi discente, titulando-se engenheiro civil no ano de 1914. Aluno aplicado, durante esse período foi ainda assistente do professor Carlos Gomes de Souza Shalders. A trajetória no magistério começou com as aulas de matemática no colégio São Bento, hoje centenário, onde, inclusive, lecionou a Milton Vargas (futuro docente da Politécnica).

Em 1920 tomou parte do corpo docente da Escola como professor substituto nas cadeiras de mecânica, astronomia, geodésia e topografia e passados apenas três anos foi efetivado. Dentre os mestres que substituiu estavam :Theodoro Ramos, Lúcio Martins Rodrigues (Topografia) e Carlos Gomes de Souza Shauders (Matemática Complementar). Para além do cargo como docente, dedicava-se aos ofícios administrativos. Foi membro do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) na vaga do professor Lucas Nogueira Garcez que pedira exoneração em 1950; entre os anos de 1933 e 1934 foi secretário da Politécnica e por duas vezes seu diretor – de 1938 a 1941 e entre 1947 e 1950 – e, concomitante à segunda gestão, foi vice-reitor da Universidade de São Paulo.

No papel de professor, algumas recordações cercam a sua atuação. O ex-aluno Benedito de Moraes conta que “ os laboratórios eram para as aulas práticas propriamente ditas, por exemplo, o laboratório de química. Havia também o gabinete de astronomia e a Escola possuía um Observatório Astronômico, situado na Praça Buenos Aires, para lá o professor Henrique Jorge Guedes, de vez em quando, levava os alunos (…) O Guedes que era baixinho e um dia ficou pendurado pelo queixo, ao escorregar da cadeira”.(LOSCHIAVO, M. C. Entrevista com Benedito de Moura, 1983) E, por seu turno, o mestre Ariosto Mila, que fora seu estudante, rememora sob qual perspectiva seguia o curso: “Ingressei no curso preliminar que foi depois substituído pelo curso colegial de dois anos. Eram docentes então os professores Henrique Jorge Guedes e Alcides Martins Barbosa. Era um curso de introdução que preparava o aluno ao curso geral onde iria encontra todo o rigor das ciências exatas”. (LOSCHIAVO, M. C. Entrevista com o professor Ariosto Mila, 1983)

Em conjunto aos mestres Victor da Silva Freire e Clodomiro Pereira da Silva, no ano de 1931 inseriu-se em um debate que versava sobre as diretrizes que deveria assumir o curso de engenharia. Analisando criticamente os métodos francês, alemão e norte- americano, foi discutida qual a função da universidade no desenvolvimento do País e, da mesma forma, que medidas seriam necessárias ao seu ajustamento no Brasil. Com o intuito de melhor estruturar os parâmetros curriculares de então, foram feitos esforços no sentido de fundamentar as vantagens e desvantagens da inserção de cursos técnicos. Dentre as considerações alcançadas estava o fator de que “(…) isolar entre nós as faculdades de sciência pura, consistiria em estrangular, no nascedouro, a própria pesquiza que tanto se deseja ver surgir e florescer (…) Quanto mais cedo dominarmos o habitat nacional, mais cedo estaremos em condições de conseguir a Universidade Brasileira. O papel do engenheiro nessa tomada de posse do habitat está longe de ser insignificante”. (GUEDES, H. J., SILVA, C. e FREIRE, V. da S. Relatório preliminar – apresentado à Commissão de Ensino Superior e Universitário da Sociedade Paulista de Educação, 1931). Logo, nesse ideário da primeira metade do século XX a universidade é denotada como vital ao progresso da própria engenharia.

Na caminhada profissional, Henrique Jorge Guedes galgou ainda alguns cargos administrativos no âmbito da política. Foi prefeito municipal da cidade de São Paulo entre os anos de 1931 e 1932, período este marcado por instabilidade política e econômica advinda com a cisão das elites nacionais pelo impasse da sucessão presidencial e com a “quebradeira” de 1929, que afetou largamente a produção agrícola brasileira. Nesse interim, lhe propuseram que aprovasse uma lei voltada à construção de um conjunto de casas na região que atualmente congrega o bairro do Morumbi, de onde receberia alguns alqueires. Vetando o projeto, alegou: “não me vendo por alqueires, nem por dinheiro nenhum” (NAKATA, Vera Lucia M., LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o professor Henrique Jorge Guedes Neto, 2003).

Em decorrência daquela sucessão de acontecimentos, ascendeu ao poder Getúlio Vargas, inaugurando, assim, uma nova etapa na vida política das cidades brasileiras e, de modo especial, a São Paulo que em 1932 viu eclodir a Revolução Constitucionalista. Por mais de duas décadas, a capital paulistana perdeu total ou parcialmente a sua autonomia. Somente em 1953 tomou posse o primeiro prefeito eleito desde o início da Era Vargas.

E é nesse contexto dos frementes anos 30 que se pauta a gestão municipal do professor Guedes. Em realidade, no intervalo de quatro anos (1930-1934) a cidade de São Paulo teve 12 prefeitos, com uma média de 87 dias no exercício de cada mandato. Nessas circunstâncias, o também docente da Politécnica Luiz Ignácio Romeiro de Anhaia Mello foi igualmente nomeado prefeito. Em meio às mudanças implementadas, a prefeitura passou a ter dez divisões administrativas.

Assim, a despeito de sua breve passagem na política, empreendeu alguns feitos de destaque. Veja-se, por exemplo, o plano de modificação do nivelamento da rua Dr. Estevão de Almeida; as alterações na legislação do funcionamento de estabelecimentos comerciais; a aprovação dos projetos de nivelamento da rua Clérigos e de um trecho da avenida Lacerda Franco e o regulamento do comércio de carvão nos armazéns e quitandas. Em continuidade a esse veio, exerceu ainda entre 1935 e 1937 um mandato como deputado federal.

Por outro lado, na Escola Politécnica tornou-se em 1932 catedrático em Matemática Complementar e, no ano de 1936, foi transferido para a cadeira de Topografia, Geodésia Elementar e Astronomia de Campo. Doutor em ciências físicas e matemáticas, foi autor de inúmeras conferências, preleções, discursos e aulas impressas ou publicadas em revistas especializadas em Geodésia e Topografia. Além de compor o corpo de fundadores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, desde 1948 foi também docente catedrático na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo com a disciplina de Topografia e Elementos de Astronomia de Posição.

No decorrer de suas gestões como diretor da Escola, dentre outras realizações, foi criado o Museu de Mineralogia e Geologia sob coordenação do professor Luiz Flores de Moraes Rego, finalmente instalado em 1939 no terceiro andar do Edifício Paula Souza e que conta com um acervo didático de amostras das principais rochas e minerais brasileiro; nesse mesmo ano foi instituído o curso de Engenharia de Minas e Metalurgia; e foi estabelecida a seriação das disciplinas de vários cursos, com um biênio inicial constituído por matérias básicas e o adendo da ampliação do ensino de matemática.

Para além dos contornos acadêmicos, foi sócio e diretor técnico da construtora “mais famosa da época.” Malta & Guedes Ltda, através da qual em 1930 foi erigido o Hospital Sírio Libanês sem qualquer cobrança pelos serviços. Da mesma forma, foi diretor da Empresa Pinhal e da Cia Carbonífera Cambuí, no Paraná. (NAKATA, Vera Lucia M., Igor Renato M. de. Entrevista com o professor Henrique Jorge Guedes Neto, 2003).

Assumiu a presidência da comissão paulista de limites entre os estados de São Paulo e o Rio de Janeiro e, como aclara o professor José Augusto Martins, “era interessado em problemas relacionados à telefonia e chegou a ser presidente da entidade patronal relacionada à telefones no Estado de São Paulo”. (NAKATA. Vera Lucia, TORRE, Silvia Regina S. Dela e LIMA, Igor Renato M. de. Entrevista com o professor José Augusto Martins, 2003).

Foi nomeado em 1947, pelo então governador Adhemar de Barros, para integrar a comissão que tinha por propósito discutir questões relativas às problemáticas do transporte coletivo na cidade de São Paulo. E, em 1948, enquanto já desempenhava a função de vice-reitor, foi designado como presidente da Comissão de Patrimônio da Universidade de São Paulo. O professor pertenceu ainda à Associação dos Amigos da Cidade de São Paulo; foi nomeado membro da Associação dos Antigos Alunos da Escola Politécnica de São Paulo e presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas.

Após 37 anos de dedicação e contribuição para o desenvolvimento da engenharia brasileira, em 1957 o mestre Henrique Jorge Guedes se aposentou. Pela excelência dos trabalhos desempenhados e pelos préstimos conformados à Politécnica, recebeu em 1964 o título de Professor Emérito. Casado com Águeda Leite Guedes, teve cinco filhos, um dos quais Jorge Leite Guedes, seguiu o caminho profissional trilhado pelo pai, tornando-se docente da Escola Politécnica.

Nos momentos de descanso e mesmo após a compulsória, o mestre procurava manter a mente ativa. Além de ler sete livros ao mesmo tempo, fazia cálculos de cabeça e não obstante ser versado em árabe, ídiche, inglês, francês, espanhol e italiano, aos oitenta anos ainda encontrava vitalidade para aprender russo e japonês. Assim, detentor de uma gama variada de conhecimentos, aos netos procurava sempre transpassar algum ensinamento até que, em 12 de maio de 1973, contando 84 anos de idade, veio a falecer.